A psicopatia, frequentemente associada a comportamentos antissociais e desvios de caráter, tem despertado interesse tanto no campo das ciências sociais quanto nas neurociências. A narrativa popular que vincula psicopatas a altos níveis de inteligência, representada em personagens históricos e fictícios, é amplamente difundida. No entanto, a literatura científica sugere uma relação complexa e, em muitos casos, antagônica entre essas duas características. A presente análise busca abordar criticamente a interseção entre psicopatia e inteligência, utilizando evidências empíricas para esclarecer o fenômeno.
Facetas da Psicopatia e Inteligência
Estudos contemporâneos indicam que a psicopatia pode ser decomposta em subdimensões distintas, cada uma delas com potenciais correlações específicas com a inteligência. A pesquisa de McKeown e Thomson (2019), por exemplo, evidencia que certos traços de manipulação interpessoal, característicos de psicopatas que demonstram habilidades refinadas de persuasão e manipulação, apresentam uma correlação positiva com a inteligência verbal. Tal achado foi observado em uma amostra de mulheres criminosas com histórico de comportamento violento. Esses resultados são importantes porque sugerem que psicopatas com essas características tendem a ter sucesso em atividades de controle social e manipulação, o que pode facilitar a evasão de punições legais. A robustez dessa evidência é considerada alta, uma vez que os autores utilizaram metodologias rigorosas, como o uso de instrumentos padronizados de avaliação psicométrica.
Entretanto, outras facetas da psicopatia, como os comportamentos impulsivos e de risco — geralmente englobados sob o fator antissocial da condição — têm uma relação inversa com a inteligência, especialmente com o coeficiente de inteligência (QI) global. Um estudo recente de Kim et al. (2023) confirmou essa correlação negativa, demonstrando que indivíduos com traços antissociais mais acentuados tendem a exibir níveis mais baixos de QI, o que frequentemente os leva a envolvimento em atos violentos e mal planejados. Esses achados são consistentes com a literatura, reforçando que a impulsividade e a incapacidade de inibir comportamentos inadequados podem prejudicar o desenvolvimento de habilidades cognitivas mais complexas.
A Psicopatia Não Está Intrinsecamente Relacionada à Alta Inteligência
Embora alguns indivíduos com traços psicopáticos possam exibir níveis elevados de inteligência em domínios específicos, como a manipulação verbal, a psicopatia, como um constructo geral, não se correlaciona positivamente com o QI global. A meta-análise conduzida por Ribera et al. (2019) oferece uma visão abrangente desse cenário, mostrando que a psicopatia tende a se associar de forma negativa à inteligência geral. Esse estudo sintetizou dados de diversas amostras populacionais e chegou à conclusão de que a psicopatia está, na maioria dos casos, ligada a uma menor capacidade intelectual, especialmente quando se considera a inteligência não verbal. Este achado desmistifica a percepção amplamente difundida de que a psicopatia e a genialidade coexistem.
Além disso, a pesquisa de Ribera et al. (2019) traz implicações importantes para a compreensão da diversidade fenotípica dentro do espectro psicopático, sugerindo que a associação entre psicopatia e inteligência elevada está restrita a subtipos específicos, particularmente àqueles que exibem características de manipulação interpessoal. O grau de evidência é robusto, considerando a natureza quantitativa e o tamanho da amostra analisada.
Inteligência Emocional e Limitações Interpessoais
Outro aspecto relevante na discussão sobre psicopatia e inteligência é a inteligência emocional, que abrange a capacidade de perceber, compreender e manejar emoções em si mesmo e nos outros. Em indivíduos com traços psicopáticos, há um comprometimento significativo dessas habilidades, mesmo em presença de QI elevado. Kot et al. (2022) examinaram a relação entre psicopatia e inteligência emocional em uma amostra de homens encarcerados e encontraram uma correlação negativa entre traços psicopáticos e a inteligência emocional. Esses dados sugerem que, embora a inteligência cognitiva, particularmente a verbal, possa estar presente em alguns indivíduos com traços psicopáticos, a ausência de empatia e a dificuldade em lidar com emoções minam suas interações sociais. A força dessa evidência é moderada, com algumas limitações quanto à generalização dos resultados fora do ambiente carcerário.
Conclusão
A ideia amplamente disseminada de que psicopatas são invariavelmente indivíduos de alta inteligência é simplista e falaciosa. Embora alguns subgrupos de indivíduos com traços psicopáticos demonstrem habilidades cognitivas superiores em determinadas áreas, como a manipulação verbal, a maioria dos estudos científicos indica que a psicopatia, de maneira geral, se associa negativamente à inteligência, especialmente em domínios não verbais e na inteligência emocional. Esse panorama enfatiza a importância de se distinguir entre diferentes facetas da psicopatia ao avaliar suas correlações com variáveis cognitivas. Futuros estudos devem continuar explorando essa relação de forma mais nuanceada, considerando as influências contextuais e genéticas sobre o desenvolvimento de ambos os traços.
Referências
KIM, E.; XU, C.; NEUMANN, C. S. Assessment of psychopathy among justice-involved adult males with low versus average intelligence: Differential links to violent offending. Psychological Assessment, 2023. DOI: https://doi.org/10.1037/pas0001286.
MCKEOWN, A.; THOMSON, N. Psychopathy and intelligence in high-risk violent women. The Journal of Forensic Psychiatry & Psychology, v. 30, n. 3, p. 484-495, 2019. DOI: https://doi.org/10.1080/14789949.2018.1560487.
RIBERA, O. S.; KAVISH, N.; KATZ, I. M.; BOUTWELL, B. Untangling intelligence, psychopathy, antisocial personality disorder, & conduct problems: A meta-analytic review. European Journal of Personality, v. 33, n. 5, p. 529-564, 2019. DOI: https://doi.org/10.1002/per.2207.
KOT, E.; GRZEGORZEWSKI, P.; KOSTECKA, B.; RADOSZEWSKA, J.; KUCHARSKA, K. Relationship between psychopathic traits and ability emotional intelligence in a sample of incarcerated males. European Psychiatry, v. 65, S372-S373, 2022. DOI: https://doi.org/10.1192/j.eurpsy.2022.953.