A busca por compreender a complexa relação entre a morfologia craniofacial e as características cognitivas, especialmente em indivíduos com alto QI, tem sido um desafio constante para a ciência. O presente artigo de opinião busca elucidar alguns dos principais achados científicos que apontam para uma intrínseca correlação entre esses dois aspectos, com ênfase na plasticidade fenotípica, ou seja, a capacidade de um organismo alterar suas características físicas em resposta a fatores genéticos e ambientais.
A partir de uma revisão da literatura, diversos estudos têm demonstrado que genes envolvidos em processos como neurogênese e mielinização, cruciais para o desenvolvimento do sistema nervoso, também estão associados a variações na inteligência. Hill et al. (2018) identificaram que genes expressos na sinapse e aqueles envolvidos na regulação do sistema nervoso podem estar ligados ao desenvolvimento neuronal e, consequentemente, à inteligência.
Além disso, análises genômicas em larga escala têm revelado loci genéticos que contribuem tanto para a inteligência quanto para características físicas correlacionadas. Savage et al. (2018) identificaram 205 loci ligados à inteligência e implicaram 1.016 genes através de mapeamento eQTL e análise de interação da cromatina. Muitos desses genes são expressos no cérebro, e variações em sua expressão podem influenciar o desenvolvimento e a manutenção de características cognitivas, destacando a conexão entre características físicas do cérebro e funções cognitivas.
Outro ponto crucial é a influência da estrutura cerebral na inteligência. Toga e Thompson (2005) discutem como a estrutura cerebral é influenciada por fatores genéticos e como isso se relaciona à inteligência, estabelecendo um vínculo entre os aspectos físicos do cérebro e as habilidades cognitivas. A densidade e a integridade da substância branca, altamente hereditárias, mostraram-se correlacionadas com medidas de inteligência geral, indicando um substrato biológico para variações no desempenho cognitivo entre indivíduos.
Estudos também exploraram a herdabilidade de características faciais, utilizando imagens tridimensionais e análises genéticas quantitativas. Cole et al. (2016) estimaram a herdabilidade de características faciais específicas e exploraram correlações genéticas entre essas características e outros fenótipos, como a inteligência, indicando uma sobreposição genética substancial entre a morfologia facial e as características cognitivas.
Por fim, pesquisas têm destacado a simetria facial como um potencial indicador de qualidade genética e estabilidade no desenvolvimento, correlacionando-a com saúde e inteligência. Jones et al. (2001) sugerem que a simetria facial pode servir como um marcador visual de boa genética, refletindo uma otimização genética e uma menor incidência de mutações deletérias, aspectos teoricamente ligados ao desenvolvimento neurológico e a habilidades cognitivas superiores.
Em suma, a literatura científica atual converge para a ideia de que existe uma complexa rede de interações entre genes, características físicas e cognitivas. A plasticidade fenotípica observada em indivíduos com alto QI pode ser um reflexo dessa intrincada relação, sugerindo que a capacidade de adaptação e mudança em resposta a desafios cognitivos e ambientais pode estar intrinsecamente ligada à expressão genética. No entanto, mais pesquisas são necessárias para elucidar os mecanismos subjacentes a essa relação e suas implicações para a compreensão da inteligência humana e seu desenvolvimento ao longo da vida.
Referências:
Cole, J. B., Manyama, M., Larson, J. R., Liberton, D., Ferrara, T., Riccardi, S. L., … & Spritz, R. (2016). Human facial shape and size heritability and genetic correlations. Genetics, 205(3), 967-978.
Hill, W. D., Marioni, R. E., Maghzian, O., … & Deary, I. J. (2018). A combined analysis of genetically correlated traits identifies 187 loci and a role for neurogenesis and myelination in intelligence. Molecular psychiatry, 24(2), 169-181.
Jones, B. C., Little, A. C., Penton-Voak, I. S., Tiddeman, B. P., Burt, D. M., & Perrett, D. I. (2001). Facial symmetry and judgements of apparent health: Support for a “good genes” explanation of the attractiveness–symmetry relationship. Evolution and human behavior, 22(6), 417-429.
Savage, J. E., Jansen, P. R., Stringer, S., … & Posthuma, D. (2018). Genome-wide association meta-analysis in 269,867 individuals identifies new genetic and functional links to intelligence. Nature genetics, 50(7), 912-919.